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Saúde

Saúde no Brasil: o que esperar?

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Passados 30 anos de SUS, pesquisa aponta que há, ainda, muitos desafios da gestão pela frente e urgência de inovação

Apenas 10% da população brasileira considera os serviços de saúde pública e privada bom no país.A pesquisa realizada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), no final do semestre passado,pelo Instituto Datafolha, ouviu 2.087 brasileiros, onde 55% consideram a saúde pública e privada ruim ou péssima. 34% apenas, regular.

Em uma outra pesquisa realizada também pelo Instituto Datafolha e CFM, a maioria da população aponta como razões do seu juízo crítico de insatisfação com a saúde pública uma grande dificuldade no acesso aos serviços especializados da rede pública de saúde. As principais queixas foram: atendimento com médicos especialistas (74%); marcação e realização de cirurgia (68%); internação nas UTIs (64%); acompanhamento com profissionais, como psicólogos, nutricionistas… (59%) e realização de procedimentos mais específicos, como quimioterapia, radioterapia, diálises, entre outros.

João Luiz Ferreira Costa, Gestor Executivo e de Negócios Sênior em Saúde

No ano em que, concomitantemente, se comemora os 30 anos da constituição federal, a Constituição Cidadã e os 30 anos do SUS, o que se pode esperar da saúde no Brasil, já que a própria Constituição Federal de 1988 consagrou a saúde como direito de todos e dever do Estado? Para ajudar a entender a atual situação, a Revista Economia S/A ouviu o médico intensivista e nefrologista, João Luiz Ferreira Costa, gestor executivo e de negócios sênior em Saúde, com 27 anos de experiência em área privada e governamental, além de ter atuado como subsecretário de Atenção Hospitalar de Urgência e Emergência do município do Rio de Janeiro, no período de 2008 a 2015.

 

Economia S/A: Quais são os desafios mais comuns encontrados na gestão hospitalar e como enfrentá-los?

João Luiz: Eu diria que os desafios mais comuns na gestão hospitalar, nos dias de hoje, mais do que nunca, são entender a necessidade de buscar inserir o hospital numa rede mais ampla de Atenção à Saúde. Ou seja, o hospital como um ponto isolado de cuidado a doença vem perdendo resolutividade e economicidade. Não basta o hospital exercer um papel de cuidar da doença. O que a sociedade quer, o que os pacientes querem é recuperar o máximo da sua saúde, o máximo da sua autonomia e da sua capacidade de exercerem o seu livre arbítrio, de cuidarem de suas vidas, de terem prazer nas suas vidas, em resumo, de serem felizes. Não querem apenas “uma cirurgia bem-sucedida”, mas “doutor, preciso voltar para a minha vida”.

É interessante, porque isso nos remete a um ponto maior, maior mesmo que o papel do hospital, do que significa o segmento saúde para a sociedade e para os indivíduos. O segmento saúde, ou o segmento assistência médica, de uma forma um pouco mais restrita, não é um fim em si mesmo. Ele é um meio. As pessoas não nasceram e não vivem para cuidarem de sua doença ou da sua saúde. Elas vivem para cuidar da vida delas, para que elas sejam felizes, tenham prazer e consigam se manter com seus meios próprios. Tenham autonomia e tenham liberdade de escolhas. Olhando por esse prisma, tudo que se faz no segmento saúde é meio e não fim. Isso é uma coisa importante para que os planejadores de governo, de uma forma geral, ou mesmo os altos gestores das empresas consigam dar uma dimensão correta do que significa aplicar recursos em saúde. É gasto. Mas não é despesa. É investimento. De uma forma mais específica, a questão do hospital, ele tem que estar adequado no tamanho e na sua especificidade, ou seja, na qualidade e na quantidade, para aquilo que aquela população que vai utilizá-lo necessita e valoriza.

Economia S/A: É possível afirmar que o SUS é, de fato, um sistema viável?

João Luiz: O SUS, conforme mencionado anteriormente, para que ele seja viável, em primeiro lugar, nós deveríamos ter uma noção muito mais clara, e isso vem melhorando, ao longo dos anos, das necessidades e valores da população. Essas necessidades, que devem atender e estar alinhadas com os valores estrategicamente capturados, entendidos e definidos, elas passam, desde a promoção da saúde até a prevenção primária, chegando na chamada Atenção Hospitalar. Normalmente nós tentamos reduzir a ideia do SUS à Atenção Hospitalar (ao que acontece nos hospitais, o que acontece nas emergências). Isso é um erro! Isso é um engano! E caríssimo. Aí, sim, um desperdício. O SUS, para que ele seja viável, há que ser paradoxalmente maior do que isso, ou seja, se nós focarmos todos os recursos na área hospitalar, nós vamos ser sempre insuficientes, porque a demanda de saúde, ou melhor, de atendimento para doença, como em algumas outras áreas econômicas, quanto mais você oferta, mais ela cresce. É o caso, por exemplo, de uma pessoa saudável, mas que queira realizar uma cirurgia para aumento ou redução de seio, ou mudança de sexo, pois isso mexe com a sua saúde mental. Se o sistema é universal, integral, terá de cobrir tudo isso. Neste sentido, é importante tentar entender e dar uma escala de prioridades a estas demandas e adequar isso a um orçamento existente, seja em governança pública ou privada.

Economia S/A: Dentro desta perspectiva, há como comprovar que o sistema é bom? Que de fato é eficaz?

João Luiz: Antes de afirmar se o sistema é bom, se possui eficácia, se além de funcionar, ele atende aos objetivos ao qual ele se propõe e se tem eficiência, dentro dos recursos financeiros humanos e de várias naturezas existentes, eu preciso medir essas coisas. Ou seja, eu tenho que ter uma escala de medidas, eu tenho que ter indicadores, tenho que ter uma métrica ao longo do tempo para observar o comportamento dessas métricas para poder responder com precisão essa pergunta. Hoje isso não é feito. Isso é feito de uma maneira muito rudimentar. E mais: não adianta eu dizer para o paciente diabético que a glicose dele está controlada. E eu e ele temos que saber o quanto está controlada e o que isso significa para a vida dele e para a capacidade de resposta do sistema de saúde como um todo, incluindo o hospital. A questão é: a glicose dele está controlada e ele tem uma capacidade laborativa adequada para aquilo, ou seja: ‘eu não tenho amputações, eu não tenho insuficiência renal, eu não tenho problemas oculares, eu não tenho problemas cardiológicos, de uma forma descontrolada’. Porque o mais importante para o paciente é esse resultado final, do que saber que a glicose está controlada. A glicose controlada é um indicativo técnico-médico para que esse objetivo seja atingido. Você pode até educar o paciente para isso, mas no final das contas, o que você também precisa medir, em termos políticos, em termos de um todo, é o resultado e o impacto que aquilo tem na vida do paciente. Uma métrica centrada no paciente, no usuário, é fundamental.

Economia S/A: Diariamente os noticiários exibem imagens de pacientes à mercê, sem leito, enfrentando o caos da superlotação em todo o país, o que prova que o sistema de saúde brasileiro é um tanto amador. Em que precisamos amadurecer? Podemos afirmar que houve alguma melhora?

João Luiz: Nós não precisamos de mais leitos. Não precisamos de mais hospitais. Nós precisamos de usar e adequar TODOS os leitos e hospitais já existentes de forma MUITO mais eficiente. Nós precisamos coordenar e integrar o que já existe em um CUIDADO GLOBAL BEM GERIDO, INTEGRADO, COORDENADO e com informações de saúde fluindo por todos os prestadores de serviço, ambulatoriais e hospitalares. Cerca de 80% dos problemas podem ser resolvidos antes do hospital e fora dele. E muitos também com menores tempos de permanência dentro do hospital, reduzindo grandes tempos de hospitalização que afastam o paciente de sua vida, de sua família, comunidade e trabalho. Ou seja, se você tiver uma cobertura de Atenção Primária distribuída de forma racional pelo país, não só em termos de quantidade de população, mas a distribuição dessa população em território, em termos de densidade demográfica, você vai ter uma atenção pré-hospitalar; uma atenção primária que evita a maior parte das idas às emergências dos hospitais. Então este é o primeiro aspecto. O segundo é fazer com que esses hospitais e emergências se comuniquem com a Atenção Primária e a Atenção Primária se comunique com ele. Tem que haver troca de informações, a respeito dessas questões. Depois quando você já está dentro do hospital, você tem que ter mecanismos de fluxo operacional, de protocolos coerentes com essa linha de cuidados, que vem desde antes do hospital e vai continuar depois do hospital e uma série de ações que reduza o tempo médio de internação. O paciente tem que ficar o menos tempo possível dentro do hospital e tem que sair do hospital em fase avançada de reabilitação e já direcionar para a reabilitação. Não adianta, por exemplo, ele fazer uma super cirurgia ortopédica e não fazer a fisioterapia. Não adianta dizer que a cirurgia foi um sucesso. O sucesso é o paciente andar. E depois é importante que o paciente tenha uma linha coerente que a gente chama de atenção domiciliar e atenção ambulatorial. Se você resolver essas questões, você utilizará muito melhor os leitos existentes. Segura e matematicamente não haveriam mais filas físicas ou “virtuais” em listas de espera.

Economia S/A: Um outro problema que se nota é que os graves problemas de saneamento básico e educação do nosso país dificultam e interferem, ainda mais, na gestão de saúde pública e privada. Você acha que está faltando integração na busca de soluções entre os setores de saúde pública e privada brasileira?

João Luiz: São dois temais imensos que você questiona. Sendo muito amplo na resposta, estas questões estão muito ligadas à governança. O que falta aí, em termos públicos, é governança. Não há transparência e não existe equidade na administração desses recursos. De uma forma geral, por exemplo, a questão do saneamento, ela está muito aquém do que deveria estar. O aumento da expectativa de vida está relacionado, basicamente, à evolução sanitária, como acesso e cuidados com a água clorinada, com o meio ambiente (o próprio tratamento de dejetos e diversos tipos de lixo). E como são obras, ou melhor, resultados que não se veem, são mais difíceis de acontecerem, o que acaba interferindo na saúde, em geral. E isso diz respeito às questões político-eleitorais e de “obras” que impressionem o público eleitor. Neste aspecto a questão educacional é crucial, quando empodera e responsabiliza o indivíduo-cidadão para cuidar de sua saúde e de si mesmo e aprenda a identificar tais pontos como essenciais e não apenas a “conseguir uma dentadura ou uma cirurgia de vesícula”.

Com relação à integração de setores públicos e privados na Saúde, a questão passa não somente por falta de bases e fluxos de informações de saúde entre as duas esferas, mas também pela ausência de um projeto maior de Saúde com as características que apontamos acima.

Economia S/A: Podemos afirmar que os planos de saúde aliviam a pressão sobre o SUS?

Joao Luiz: A Saúde Suplementar significaria que você tem uma eficiente, efetiva e eficaz saúde governamental e você oferece por um valor diferente algo a mais, além, que na realidade, do ponto de vista ético não poderia ser essencial no cuidado da saúde. Mas seria de hotelaria, de conveniência, mas a essência da Atenção à Saúde como um todo devia ser, pelo menos, igual.

A Saúde Suplementar, ou seja, você pagar a mais, por essas coisas, não deveria necessariamente aliviar, porque você continua com direito cidadão de usar a saúde governamental. Mas na prática, ela drena, só que ela não drena tudo. Por exemplo: a cobertura vacinal, todas as outras questões, de caráter não hospitalar, continuam sendo atendidas ali, na área governamental.

Existe também o conceito da complementaridade, ou seja, o Sistema Único de Saúde (SUS) ele não é exercido, no Brasil, total e integralmente por funcionários públicos. Pelo contrário, a maior parte do SUS no Brasil, como um todo, é exercido por complementaridade. O SUS tem uma tabela em que ele paga prestadores particulares para fazer o trabalho dele. Só que uma tabela congelada há anos e não articulada com um sistema mais amplo como discutimos acima. Paga mal o que produz em quantidade. Então é muito difícil dar uma resposta assertiva se o sistema realmente desafoga. Diria que “desafogar” é um verbo inadequado, ele precisaria INTEGRAR de forma complementar.

Economia S/A: Qual é o principal desafio para o próximo presidente da república no que tange o direito à saúde, conforme nossa Constituição?

João Luiz: Não é possível, a cada gestão, querer inventar uma nova solução, para qualquer coisa, principalmente para a área da saúde. A saúde já tem todo seu esquema mental, como apontamos acima. Já está equacionada. O problema é que a cada governo eles querem achar uma solução nova e isso não é possível. Não dá para começar do zero, a cada vez. Então eu diria que o maior desafio dele é compatibilizar a crise fiscal imensa que o país está passando (ele não tem um encontro de contas do que arrecada e do que precisa gastar). Eles vão ter que escalonar essas prioridades orçamentárias atendendo ao reequilíbrio fiscal, à disponibilidade orçamentária para fazer o que é preciso e, dentro disso, estabelecer prioridades. E essas prioridades têm que obedecer a um planejamento que já existe, a despeito de qualquer ideologia, de qualquer governo que tenha passado.

Eu diria que um grande investimento que precisa ser feito é na área de tecnologia da informação (tecnologias leves) fluxo de informação, que viabilize a própria gestão do sistema. E educação. Não só educação específica e continuada, dos profissionais envolvidos com saúde, mesmo os administrativos e de apoio além dos de saúde em si, mas educação para a população em saber utilizar esse sistema dentro de uma perspectiva de também se responsabilizar por sua própria saúde.

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