POR: Fred Alecrim e Kiko Kislansky, autores do livro “Pare de Vender Assim” (Editora Voo)
Toda crise traz grandes transformações. Com a COVID-19 não está sendo diferente. Por um motivo invisível, do dia para a noite, passamos por uma reconfiguração. A pandemia impôs novas formas de trabalho, de consumo e de relações sociais. Trabalhando em casa, ganhamos os benefícios do não deslocamento e do aumento da interação familiar. Ao mesmo tempo, precisamos passar por uma readaptação comportamental e estrutural. A despeito dos incontestáveis ônus, a crise também evidenciou uma importante questão, negligenciada durante muito tempo: o valor do propósito nos negócios.
Com a pandemia, muitos vendedores/empreendedores observaram o volume de seus negócios despencar. No isolamento social, o consumismo perdeu o seu valor. O medo do desemprego e da escassez levaram ao consumo apenas do essencial. Consequentemente, o antigo paradigma de negócios (vender, vender e vender) – que já estava saindo sutilmente de cena, dando lugar ao consumo consciente – ruiu. Diante deste cenário, o que fazer para manter ou recuperar a receita?
A resposta está em atribuir significado àquilo que você vende. O novo desafio das vendas não está em dominar o mundo, mas, sim, em ser útil e melhorá-lo. Estes devem ser os principais objetivos (propósitos) de uma organização. E isso pode significar até parar de vender o seu produto/serviço atual. Afinal, se ele não é essencial neste momento, por que você deve investir nele? Tentar empurrar goela abaixo só leva ao desgaste na relação com o consumidor.
É preciso elevar a consciência: sair de um universo que não faz mais sentido (mesmo que, temporariamente) e adentrar em um que contextualiza com a nova realidade. No panorama contemporâneo, isto significa comercializar um bem indispensável pautado pelo impacto socioambiental positivo. Mas, como readequar ou reinventar o seu negócio? Por meio da empatia. É a partir deste sentimento que você conseguirá identificar, entender e atender aos anseios deste novo consumidor, mais consciente, empoderado e exigente. Pensar no problema do outro te torna útil para servir ao mundo.
A manutenção da saúde financeira neste período também fez com que muitas empresas se atentassem a um dos seus mais valiosos capitais: o humano. O home office trouxe inúmeros desafios ao profissional que trabalha com vendas. Aquele contato humano e tido como offline não existe mais. Além de ter que aprender como engajar neste novo universo relacional (não somente para uso particular, como redes sociais próprias), o(a) vendedor(a) ainda divide seu ambiente de trabalho com as aulas dos filhos, o dia a dia de trabalho de sua esposa ou marido ou até mesmo lidar com a solidão quando se mora só. Como extrair motivação dentro dessas realidades? De acordo com o Índice de Confiança Robert Half (ICRH), divulgado* no início de julho, 61 por cento dos líderes que participaram da pesquisa afirmaram que o maior desafio é manter a motivação das equipes. Os motivos que podem levar a isso são vários: falta de proximidade física, controle, qualidade das entregas e cumprimento da carga horária.
Líderes são responsáveis por esse olhar mais humano de seus liderados. Uma venda bem sucedida é feita com entrega total do profissional. Quando a pessoa não está bem, as vendas não vão acontecer com facilidade ou nem existir. Muitos acham que é só adequarmos novas ferramentas e processos na vida dos colaboradores, mas esquecem das questões emocionais. De nada adianta ter um cenário perfeito se o protagonista não está bem para atuar?
O propósito é o melhor caminho para que exista essa motivação. A venda é tida como algo que muda a vida de alguém. Se você vende algo em que acredita, que impacta e que faz bem para o mundo, aí está o seu objetivo. Comercializar com propósito não significa apenas carregar a cultura da organização. Muito além das transações comerciais, vendas devem gerar transformações sociais. Quando vemos os resultados do que fazemos, sem a cegueira provocada pela insistência das metas, nos sentimos mais parte desse propósito.
*Fonte: Diário do Comércio. Junho, 2020.