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Trabalhando na hora do show

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Fernando Taliberti*

 

Com o avanço da imunização contra o Covid-19 em Nova Iorque,  a banda Foo Fighters lotou o Madison Square Garden, com quase 20 mil pessoas vacinadas. Dave Grohl, vocalista  da banda, arrancou das gargantas da plateia a letra de “My Hero” (meu herói) em um grito uníssono e emocionante para homenagear os profissionais da linha de frente no combate à pandemia. O fato de ser o primeiro evento a reunir uma multidão depois de mais de um ano de restrições e distanciamento social, aumentou o êxtase de todos. Eu não estava lá, mas adoraria. Como eu, muita gente vivencia a experiência de um show ao vivo de forma incomparável com ouvir músicas por streaming, ou mesmo assistir a uma gravação do mesmo espetáculo.

O que explica isso? Por que será que ouvir uma música ou mesmo assistir um vídeo não despertam exatamente as mesmas sensações que viver presencialmente um momento como esse? Nosso cérebro racional é capaz de processar 120 bits de informação por segundo, o que equivale a duas pessoas falando ao mesmo tempo. A letra e a melodia de uma música superam esta capacidade de racionalização. Mas o fato de após assistir a um concerto mantemos memórias que vão muito além das palavras que pulam de uma boca para um microfone, mostra que absorvemos muito mais do que isso. A lembrança de um espetáculo reunindo milhares de pessoas à nossa volta é revivida com arrepios e coração acelerado e não apenas como uma imagem. Ainda não está disponível uma tecnologia que nos permita experimentar as sensações de tal acontecimento, sem presenciá-lo pessoalmente.

Mas por sorte a tecnologia evoluiu para que eu pudesse ouvir Foo Fighters sem ir ao show. No último ano, a voz de Dave Grohl deve ter me animado pelos ouvidos centenas de vezes, muito mais do que seria possível se tivéssemos que nos encontrar pessoalmente para isso. É claro que conforme a música foi sendo transportada por mídias diferentes, do vinil ao CD até o streaming, houve perda de qualidade, mas o fato é que a sua disponibilidade aumentou gradativamente. Nunca foi tão fácil acessar tantas músicas a qualquer momento e de qualquer lugar como é hoje.

O mesmo raciocínio se aplica para outros tipos de conteúdo como vídeo e livros. Conforme foram se tornando digitais e se plugando na internet para distribuição, a sua disponibilidade foi aumentando. E para todos eles, a experiência presencial não foi substituída. Nesta pandemia, por exemplo, sentimos falta dos shows, das peças de teatro e dos cinemas.

Mas e o trabalho? Parece que ele caminhou em uma direção semelhante, mas foi necessária uma pandemia para que ficasse evidente o quanto seus passos haviam sido lentos até então. No início da pandemia, o pavor de que as empresas e toda a economia parariam porque as pessoas não podiam ir ao escritório rapidamente se dissipou, ao menos em se tratando de trabalho intelectual.

Confinados em casa, uma imensa classe do que costuma se chamar em inglês de knowledge workers (trabalhadores do conhecimento) continuou produzindo, se comunicando, vendendo e entregando. Infelizmente, para muitos setores como restaurantes e o varejo, a adaptação não era tão simples. Neles, muitos negócios chegaram ao fim por não conseguirem se adaptar rapidamente à impossibilidade de atendimento presencial. Por outro lado, em alguns setores, como a saúde,  se descobriu certa facilidade de acesso a boa parte dos atendimentos, e que antes simplesmente pareciamos não nos dar conta de que podiam ser feitos online.

Mas o trabalho presencial fez falta. Conversei com pessoas que relataram sentir falta dos mais diversos aspectos da vida de escritório. Da “rádio peão” ao quadro branco, passando pelos almoços com os colegas. Parece que para todas elas a interação presencial é realmente insubstituível. Ela traz elementos que vão muito além da informação que flui por vídeo, áudio ou texto nas ferramentas que usamos para trabalhar. Vão além da “letra da música” e são tão difíceis de explicar quando o arrepio contagiante que milhares de pessoas cantando juntas causam umas às outras em um show.

Há sete anos fundei uma startup, a Onyo, que criou relações incríveis entre as pessoas que passaram por lá, de amizades fraternas a casamentos. Penso que nada disso teria acontecido se essas pessoas não interagissem presencialmente. A empresa, no entanto, praticamente nunca teve um escritório e já adotava o trabalho remoto, antes mesmo da pandemia.

As empresas que adotam este modelo entendem a importância do encontro presencial. Matt Mullenberg, fundador da Automattic e criador do WordPress – sistema que está por trás de quase 40% dos sites da internet – explica isso com muita clareza em seus processos de contratação. Sua empresa é referência mundial em trabalho distribuído, como ele prefere descrever, mas cerca de quatro semanas no ano são dedicadas a encontros presenciais em viagens e os colaboradores devem preparar a si mesmos e a suas famílias para isso.

Não foi diferente na Onyo. A cada três meses juntávamos o time todo para uma reunião offsite para discutir a estratégia e alinhar a cultura. Sempre as enxerguei também como uma oportunidade de vivenciar nosso produto  – uma plataforma de pedidos em restaurantes – e interagir com nossos clientes e consumidores. Até os desenvolvedores tinham a oportunidade de, literalmente, colocar a barriga no balcão e viver as dores dos clientes.

Mas essas não eram as únicas interações presenciais do time. A entrada de um novo membro na equipe frequentemente justificava reunir três ou quatro profissionais, mesmo que de cidades diferentes, para acelerar sua integração na empresa. Queríamos desenvolver um novo produto? Valia juntar o time e fazer uma design sprint (uma semana de descoberta de necessidades do cliente) presencial. Não seria muito caro? Mais ainda seria ter um escritório, acredito.

Tinha algo a mais. Por serem mais raras, estas interações presenciais eram mais intensas. Eram esperadas e aproveitadas ao máximo. Era visível o efeito na integração do time após os dias em que conviveram juntos. Com o orçamento de startup, muitas vezes a equipe dividiu o mesmo teto de AirBnB 24 horas por dia. Essa era a hora do “show” e ainda não está disponível tecnologia que nos permita experimentar as sensações de tal momento, sem presenciá-lo pessoalmente. Depois dele, com a banda afinada, o trabalho “por streaming”, como poderíamos apelidar o remoto, é muito conveniente e mais produtivo.

A maioria das empresas não teve a oportunidade de viver isso. Entendo como deve ser difícil ir de um modelo 100% presencial para um 100% home office da noite para o dia. Isso não é trabalho remoto (ou distribuído) em seu potencial. Isso é trabalho confinado em casa em uma situação de crise global. Não imagino como o estresse associado às características únicas desse período como, por exemplo, conciliar aulas online dos filhos e trabalho, possa deixar uma impressão positiva desta experiência.

Mas conforme a vacinação viabilize a escolha, será possível experimentar o melhor dos mundos entre o trabalho “por streaming” e a “hora do show” e definir quando e  quanto usar cada um. A pandemia não mudou minha opinião. Continuo acreditando que a interação presencial no trabalho é insubstituível. Mas será que as empresas estão fazendo bem em já definir a dose dele? Algo me diz que há e haverá cada vez mais oportunidade de usufruir da flexibilidade e da disponibilidade do trabalho em qualquer lugar. Será que, tomando os devidos cuidados para que ele não ultrapasse limites, o trabalho pode ter uma proporção parecida com a da música entre o streaming e o show? Ou será que o que há além da troca de informações no escritório justificará voltar a frequentá-lo mais e trabalhar menos de forma distribuída.

Haverá uma resposta certa? De certo não há uma forma padrão. Mas talvez haverá uma para cada empresa, uma para cada time, ou ainda, uma para cada indivíduo.

*Fernando Taliberti é fundador, mentor e investidor de startups, escritor e palestrante com foco em modelos de trabalho inteligentes, intraempreendedorismo, cultura de inovação e digital. Formado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), também possui especialização em Product Growth Marketing pela Tera e mestrado em e-business e Tecnologias para Gestão pela Politecnico di Torino, Itália.

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