O anteprojeto de reforma do Código Civil, em discussão no Congresso Nacional, promete redefinir a dinâmica das relações contratuais entre particulares e empresas no Brasil. A proposta traz mudanças significativas, como maior liberdade para negociações entre partes e reconhecimento de contratos digitais, ao mesmo tempo reforça o controle estatal sobre investimentos estrangeiros no país. Especialistas do setor jurídico e empresarial avaliam uma suposta busca de equilíbrio dando autonomia para relações particulares e segurança jurídica em contradição ao aumento do controle do Estado nas relações de investimentos com estrangeiros.
Menos intervenção estatal nas relações contratuais
O projeto prevê uma maior liberdade para que as partes definam suas próprias regras nos contratos, reduzindo a necessidade de interferência judicial. “A reforma privilegia a soberania das partes, permitindo maior liberdade na negociação de contratos”, afirma a advogada empresarial Teresa Sant’Anna. Ela destaca que a proposta traz elementos como a valorização dos usos e costumes locais, o fortalecimento do princípio da boa-fé e a limitação da revisão contratual sem justificativa plausível.
Outro avanço relevante é a regulamentação dos contratos digitais, que passam a ter reconhecimento integral. “Os contratos digitais agora são validados como instrumentos legítimos de negociação. Além disso, há uma preocupação maior com a transparência nas plataformas digitais, que deverão fornecer informações claras sobre seus processos e estarão sujeitas a auditorias independentes”, explica Teresa Sant’Anna.
A reforma também reforça a proteção ao “patrimônio digital”, garantindo que ativos intangíveis e imateriais pertencentes a pessoas físicas ou jurídicas tenham segurança contra acessos não autorizados e possam ser incluídos em testamentos.
Mais segurança para credores e cláusulas de rescisão
O novo texto do Código Civil também amplia as garantias para credores e empresas, permitindo a inclusão de cláusulas mais rígidas nos contratos para mitigar riscos. Um dos destaques é a possibilidade de rescisão antecipada de contratos diante da evidência de possível inadimplência. “Essa alteração permite maior previsibilidade para os empresários, evitando prejuízos com clientes que já demonstram sinais de descumprimento contratual”, analisa a advogada.
Além disso, passam a ser reconhecidas as cláusulas de limitação de responsabilidade, algo já praticado por diversos segmentos, mas que antes não tinha um respaldo legal explícito. A nova norma também autoriza a chamada “frustração da finalidade do contrato”, permitindo que uma das partes peça a rescisão se houver um fato novo que torne inviável a manutenção do acordo, porém ainda sem uma definição da interpretação dessa hipótese, parecendo ainda muito subjetivo.
Contradição na liberdade empresarial: controle sobre investimentos estrangeiros
Apesar de flexibilizar as relações privadas, a reforma impõe um novo entrave às empresas estrangeiras que desejam operar no Brasil. Atualmente, esses negócios podem atuar por meio de filiais autorizadas pelo governo federal ou por meio de participação societária em empresas nacionais. A nova regra exige que até mesmo a participação de sócios estrangeiros em companhias brasileiras passe a depender de autorização do governo.
“Essa mudança vai na contramão da proposta de desburocratização e da liberdade negocial que o anteprojeto tenta implementar”, pontua Teresa Sant’Anna. Segundo ela, a exigência de autorização estatal para que empresas estrangeiras tenham participação societária no Brasil cria barreiras ao investimento externo, podendo afastar capital estrangeiro. “É evidente que há uma preocupação em impedir que sociedades estrangeiras atuem no Brasil sob influência de governos de outros países, mas esse controle excessivo pode prejudicar a economia”, alerta.
Atraso legislativo e impactos estratégicos para empresários
Especialistas ressaltam que muitas das mudanças trazidas pelo projeto já são aplicadas na prática, mesmo sem regulamentação. Para Teresa Sant’Anna, o novo Código Civil busca acompanhar o dinamismo do setor empresarial, mas peca pela demora em reconhecer avanços que já fazem parte da realidade do mercado. “O legislador muitas vezes chega atrasado às necessidades do setor empresarial. Muitas dessas regras já são adotadas informalmente e agora apenas ganham uma chancela oficial”, afirma.
A especialista também destaca que, apesar dos avanços na liberdade contratual, a burocracia imposta ao investimento estrangeiro mostra uma falta de coesão na proposta. “A reforma caminha para um ambiente de negócios mais dinâmico e competitivo, mas esbarra em contradições quando amplia o poder do Estado sobre o mercado”, observa.
Próximos passos: reforma trabalhista também na pauta
Enquanto o debate sobre a reforma do Código Civil avança, outro tema já começa a ganhar espaço: a proposta de alteração da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). A nova regulamentação do setor trabalhista pode trazer mudanças significativas para empresários e empregados, mas ainda está em fase inicial de discussão.
“A CLT também precisa de ajustes para refletir as novas dinâmicas do mercado de trabalho. Esse será um dos próximos desafios do legislador”, conclui Teresa Sant’Anna.
A reforma do Código Civil segue em tramitação e deve ser tema de intensos debates nos próximos meses, à medida que seus impactos sobre a economia e o setor empresarial forem sendo mais amplamente analisados.