
A arte tem o poder de ressignificar histórias, abrir caminhos e transformar realidades. Para Adriana Nascimento, assistente social, gestora pública e ativista, a cultura é mais do que uma expressão artística: é uma ferramenta de acolhimento e mudança para pessoas em situação de vulnerabilidade.
Adriana carrega em sua própria história a vivência da exclusão. Mulher preta, homoafetiva e mãe solo, enfrentou preconceitos e desafios que a levaram às ruas de São Paulo. Foi na cultura e na arte que encontrou forças para reconstruir sua vida e, hoje, trabalha para garantir que mais pessoas tenham essa mesma oportunidade.
Um projeto que humaniza, conecta e ressignifica
Com anos de experiência na assistência social, Adriana percebeu que o atendimento burocrático nem sempre criava vínculos reais. Assim nasceu o projeto “Arte como Instrumento de Transformação no Social”, que leva expressões artísticas como música, dança e poesia a diferentes espaços, promovendo encontros e diálogos que geram impacto real.
A inspiração veio de um momento simples, mas marcante: enquanto atuava como assistente social em seu escritório, Adriana compartilhou a música ‘Reconvexo’, de Caetano Veloso, na interpretação de Maria Bethânia, com um homem em situação de rua que buscava amparo. A canção, com sua beleza e profundidade, despertou memórias afetivas no homem, abrindo um espaço para o diálogo e a conexão humana. Desde então, essa experiência tem sido multiplicada em ações que levam arte e cultura para aqueles que mais precisam, transformando espaços de atendimento em ambientes acolhedores e sensíveis, onde a música, a poesia e outras formas de expressão artística se tornam ferramentas de cuidado e transformação social.
Entre as muitas vidas impactadas pelo projeto, destaca-se a de Cristiane Caroline, uma mulher trans que, vivendo nas ruas, encontrou na música um refúgio e um novo caminho. Após uma emocionante apresentação em uma das intervenções culturais promovidas por Adriana, Cristiane ganhou confiança para seguir sua paixão e hoje investe na carreira de cantora e compositora.

Espetáculos solidários e ações concretas que criam um ciclo de solidariedade
Entre as iniciativas do projeto, destaca-se a realização de espetáculos anuais em parceria com a Sala Olido, onde artistas em situação de vulnerabilidade têm a oportunidade de se apresentar. A entrada para esses eventos é um agasalho, posteriormente doado a quem necessita, criando um ciclo de solidariedade através da cultura.
A atuação de Adriana também se estende a parcerias importantes, como a colaboração com o Coletivo AIA e o apoio de grandes instituições, como o Rock in Rio e o Lollapalooza, que anualmente concedem ingressos sociais integralmente gratuitos, permitindo que jovens em situação de vulnerabilidade tenham acesso a experiências culturais enriquecedoras. Em um país onde o valor médio de um ingresso para esses eventos pode ultrapassar meio salário mínimo, iniciativas como essa são fundamentais para democratizar o acesso à cultura. Para muitos desses jovens, essa foi a primeira oportunidade de vivenciar um grande show ao vivo, algo antes considerado inacessível devido aos altos custos e ao caráter elitizado desses festivais.
Um convite para parcerias e apoio
O trabalho de Adriana Nascimento busca ampliar seu impacto, e para isso, ela está em busca de novas parcerias com o poder público e a iniciativa privada. Apoios que garantam a continuidade do projeto e possibilitem que mais pessoas sejam alcançadas pela arte como instrumento de inclusão.
Além de sua atuação direta, Adriana também incentiva iniciativas como o projeto “Dançar é Arte”, criado por sua filha Maria Clara do Nascimento. A iniciativa surgiu como resposta às barreiras enfrentadas por meninas negras da periferia no balé clássico, um sonho da própria Maria Clara. O objetivo é ampliar a acessibilidade da dança, promovendo espaços inclusivos para crianças e jovens, especialmente aquelas que não se encaixam nos padrões estéticos tradicionais do balé.
Atualmente, o projeto oferece aulas de balé gratuitas para meninas de uma comunidade em Cataguases/MG, onde Maria Clara também mora, e uma vez por ano, elas se apresentam em um grande espetáculo no maior teatro da cidade. A iniciativa já impactou positivamente a vida de muitas jovens, proporcionando-lhes a oportunidade de vivenciar a arte e expressar sua identidade através da dança.
O projeto “Dançar é Arte” já recebeu reconhecimento e apoio, incluindo uma doação de R$ 30 mil de um juiz local, que possibilitou a compra de equipamentos e uniformes para as alunas. No entanto, para garantir a continuidade e expansão do projeto, Maria Clara e Adriana buscam novas parcerias com o poder público e a iniciativa privada.
Arte como direito de todos
Para a ativista, a arte é um direito fundamental, e seu compromisso é garantir que mais pessoas possam ter acesso a ela. Seu trabalho é um chamado para a sociedade se envolver e apoiar iniciativas que promovem a dignidade, a expressão e a humanização do atendimento social.
A luta continua, e toda parceria faz diferença. “Juntos, podemos transformar realidades através da arte”, finaliza Adriana.