
Nova política comercial americana está trazendo muita incerteza para a economia e volatilidade para os mercados.
Por João Victor da Silva, Graduado em Economia e Relações Internacionais pela Universidade de Boston (EUA), Mestre em Finanças pela Universidade de Miami (EUA) e Mestre em Relações Internacionais (com honras) pela Universidade de Chicago (EUA), onde ganhou o Prêmio Morton A. Kaplan de 2022 pela melhor dissertação de mestrado no Comitê de Relações Internacionais. Consultor Estratégico da Orsitec Assessoria Contábil e Empresarial em Florianópolis (SC).
O mundo caminha para uma nova ordem política e econômica global. A rápida integração da economia mundial, intensificada entre os anos 1980 e a Crise Financeira de 2008, desencadeou um período de notável expansão econômica. Por um lado, as nações da Eurásia conseguiram convergir suas economias em direção ao nível de desenvolvimento dos países desenvolvidos. Por outro lado, nas nações desenvolvidas, a prosperidade gerada pela globalização econômica não alcançou todos os segmentos da sociedade.
Nos Estados Unidos, por exemplo, os salários reais das classes média e baixa permaneceram praticamente estagnados desde a década de 1980. Antigos centros industriais entraram em um declínio profundo, afastando o “sonho americano” da realidade do cidadão comum. Foi nesse contexto de desencanto com o sistema político e econômico que Donald Trump surgiu como uma das figuras políticas mais influentes do país.
Desde que assumiu a presidência em janeiro, Donald Trump colocou a agenda comercial no centro de suas prioridades. Inicialmente, voltou sua atenção aos vizinhos, pressionando Canadá e México. Em 2 de abril, Trump proclamou o “Dia da Libertação”, anunciando tarifas exorbitantes contra diversas nações e estabelecendo um piso mínimo de 10%. Em questão de horas, os Estados Unidos, antes uma das economias mais abertas do mundo, com uma tarifa média efetiva de cerca de 2%, passaram a registrar uma média de aproximadamente 22%.
Contudo, Trump recuou parcialmente de suas medidas uma semana depois, diante da intenção de cerca de 75 países que buscaram negociações com o governo americano. A China, por sua vez, optou por retaliar, levando Trump a intensificar ainda mais o embate ao elevar as tarifas contra o país a impressionantes 145%.
Esse cenário de mudanças constantes na política comercial dos Estados Unidos tem gerado impactos profundos nos mercados de capitais globais, ao mesmo tempo, em que acelera a desaceleração da economia mundial. De um lado, crescentes incertezas tendem a desacelerar a economia, levando empresas e indivíduos a adotarem uma postura cautelosa, postergando investimentos e reduzindo o consumo enquanto tentam antecipar os rumos do cenário econômico. De outro lado, diante da possibilidade de transformações radicais no sistema econômico global, investidores buscam refúgio em investimentos seguros em moedas fortes.
No cenário global, as tensões entre Estados Unidos e China têm se intensificado. O cientista político americano Graham T. Allison alerta para o risco da “Armadilha de Tucídides”, conceito que descreve a maior probabilidade de conflitos quando uma potência emergente ameaça a hegemonia de uma potência estabelecida. Nesse contexto, os Estados Unidos, desde 2017, promovem um “desacoplamento” econômico em relação à China, uma política que se manteve sob o governo Biden. Isso se deve, em grande parte, à dependência americana de insumos provenientes do seu principal adversário.
As barreiras comerciais também têm sido vistas como um instrumento para promover a reindustrialização dos Estados Unidos. Contudo, é desafiador imaginar como a economia americana, marcada por altos custos salariais, poderia competir na produção de bens de baixo valor agregado. Ainda assim, há uma forte pressão política em regiões industriais, como o “Cinturão da Ferrugem” — que inclui cidades como Detroit, Cleveland e Pittsburgh —, para revitalizar setores como o automotivo, farmacêutico e siderúrgico.
É cada vez mais evidente que o modelo econômico predominante nas últimas quatro décadas está se esgotando. O novo paradigma, ainda em formação, permanece envolto em incertezas. Essa transição será custosa, à medida que as cadeias globais de valor se reorganizam para se adaptar à nova realidade política.