POR Maria Fernanda Quartiero e Luciana Barrancos
O processo de adoecimento no mundo do trabalho se acentuou ainda mais com a pandemia da Covid-19. Cargas horárias extensas, pressão psicológica, sobrecarga de tarefas, competitividade e responsabilidade financeira, impactos físicos e emocionais são alguns dos motivos que levaram mais de 47,3% de trabalhadores de serviços essenciais no Brasil ao esgotamento profissional e pessoal entre 2020 e 2021, segundo Dados da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Índices como estes têm despertado o entendimento de que questões associadas à saúde, ao social e ao ambiente têm grande impacto econômico. O olhar negligenciado para com a saúde mental faz, entre outros, com que haja uma maior rotatividade de funcionários (turnover), menor produtividade e maior absenteísmo, o que impacta diretamente nos resultados finais de uma organização.
Devido a isso e pela necessidade de olhares mais atentos aos indivíduos como parte da responsabilidade socioambiental de uma empresa, há alguns anos especialistas vêm colocando a saúde mental como um componente importante do ESG, cujo um de seus princípios – Social – está intimamente relacionado com o bem-estar dos funcionários e preocupações com questões sociais da comunidade.
A sigla ESG (Environmental, Social and Governance), que surgiu no ano de 2004 em uma publicação do Pacto Global em parceria com o Banco Mundial, chamada Who Cares Wins, agrega componentes que estão comprometidos com a sustentabilidade por parte das empresas dentro de sua atuação. “Environment” diz respeito ao meio ambiente, “Social” para as relações sociais e “Governance” para a governança, condutas e normas administrativas. O movimento está diretamente relacionado às metas de desenvolvimento global da ONU – as ODS – e incita o debate sobre o papel das empresas no desenvolvimento sustentável e o impacto dessas ações para a vida de gerações futuras.
A proposta do ESG também se conecta (e muito) à saúde mental, tornando cada vez mais necessária a atenção estrutural para essa questão dentro das empresas, entendendo que ela é também um quesito fundamental e indispensável.
Apesar da saúde mental se encaixar de forma bastante direta e ser comumente associada ao “Social”, ela está presente de maneira indissociável dos demais componentes. Ela se relaciona ao meio ambiente por meio dos efeitos percebidos da poluição do ar e mudanças climáticas, que ameaçam a saúde global. Também se liga à “Governança” ao passo que remonta a importância de empresas não apenas oferecerem atendimentos psicológicos aos funcionários como uma ferramenta para trabalhar a saúde mental, mas que incorporem a lente da saúde mental para olhar questões estruturais e promover iniciativas que abordem o tema de forma transversal em toda a empresa.
Cuidar da saúde mental no ambiente de trabalho vai muito além de oferecer terapia e exercícios laborais. A atenção deve-se voltar para que o ambiente de trabalho não seja um espaço que adoeça. Quando falamos em boas práticas para a saúde mental, podemos, então, pensar em uma diversidade de ações, como: iniciativas de diversidade e equidade, práticas de integração de equipe e momentos de convivência em grupos, atividades de formação e práticas corporais guiadas, canal de escuta e denúncia de abusos, plano de carreira, creches internas próximas ao local de trabalho etc.
Edificar o debate sobre saúde mental em todos os âmbitos (inclusive nas empresas), incorporando estratégias que trabalhem a prevenção e a promoção da saúde mental no ambiente de trabalho é extremamente necessário. Assim como a sociedade civil e o poder público, é importante que a iniciativa privada se comprometa com a saúde de forma integral, já que este não só é um investimento cujo retorno pode ser financeiramente positivo, mas principalmente porque enxergar os indivíduos e sua saúde mental é pressuposto básico para uma sociedade mais saudável e inclusiva.
*Maria Fernanda Quartiero e Luciana Barrancos do Instituto Cactus, organização que promove ações de advocacy e grant making (fomento) em saúde mental.
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