POR: jeffreygroup
A educação formal, aquela em que se segue um programa curricular em ambientes controlados como escolas, especialmente no ensino público, é repleta de desafios. Muitos são os fatores intervenientes no processo e tão heterogêneos são os alunos, o meio e as condições de ensino que, imaginarmos o cumprimento de um currículo homogêneo e, até mesmo, “pasteurizado” torna-se um contrassenso.
Um currículo único, embora importante para garantir uma educação mínima à população, espreme por um funil um universo de alunos com experiências e realidades diversas. Além disso, o fato de estarmos atravessando uma pandemia há quase dois anos acabou amplificando ainda mais algumas dificuldades do sistema de ensino, como a evasão escolar, sobretudo entre alunos em vulnerabilidade social.
Segundo levantamento divulgado em dezembro de 2021 pelo movimento Todos pela Educação, cerca de 244 mil estudantes de 6 a 14 anos estavam fora das escolas no segundo trimestre de 2020 – número quase três vezes maior do que no mesmo período de 2019, em que representava cerca de 90 mil alunos. Essa realidade se acentua quando falamos de jovens negros. De acordo com levantamento divulgado pelo Porvir, em outubro de 2020, sobre o impacto da pandemia e do racismo na trajetória deles no Ensino Médio, no Brasil, apenas 63,5% dos jovens negros de 15 a 17 anos estão na escola frente a 75% dos jovens brancos.
Ainda segundo o estudo, 30% deles não pretendem voltar à escola depois da pandemia, pois precisam trabalhar para complementar a renda familiar. Esse dado é corroborado por um levantamento do CONJUVE (Conselho Nacional da Juventude) em parceria com Em Movimento, Fundação Roberto Marinho, Unesco, entre outras, que ouviu 33 mil jovens de 15 a 29 anos de todo o Brasil. Dos participantes, 33% buscaram alguma maneira para complementar sua renda durante a pandemia.
Esses dados mostram que, atualmente, temos um cenário em que o abandono escolar no Brasil é maior do que a evasão, porém de menor gravidade. A evasão representa uma desistência sistêmica, uma vez que o estudante não efetuará matrícula no próximo período. Já os que abandonam os estudos voltam a se matricular no ano seguinte e, embora nesses casos haja continuidade do ensino, há um prejuízo significativo.
As causas de um ou outro são inúmeras e, num país como o Brasil, é claro que as dificuldades econômico-financeiras estão entre as principais. Não se pode reduzir a desigualdade como que por um passe de mágica, então há de se buscar outros caminhos para ao menos mitigá-la. O acesso à internet e à tecnologia, por exemplo, nos permite integrar uma boa parte dessa população excluída a um ambiente de ensino diferenciado, em que os meios eletrônicos fazem a vez da audiência presencial e levam aos estudantes os conhecimentos necessários independentemente de onde eles estiverem.
Sabemos que muitos estudantes do ensino público não têm à disposição uma internet de qualidade e é papel das empresas e profissionais que se dispõem a desenvolver tecnologias visando a inclusão pensar em estratégias para driblar essa barreira. Hoje, muitas operadoras possibilitam o uso de diversos aplicativos de celular sem consumir o pacote de dados, o que faz toda a diferença quando pensamos na criação de ferramentas que possam auxiliar na educação de crianças e jovens.
A iniciativa privada e o terceiro setor têm contribuído bastante para a melhoria da educação. Instituições como a Fundação Lemann e a Fundação 1Bi, das quais tenho o prazer de fazer parte, representam uma sementeira no uso de tecnologias no ensino.
Entre algumas ações, posso citar o AprendiZAP, ferramenta gratuita criada pela Fundação 1Bi com conteúdo fundamentado na Base Nacional Comum Curricular e no Novo Ensino Médio, bem como do Ensino Fundamental. A solução pode ser acessada via WhatsApp, que sabemos ser um dos canais de comunicação mais populares no País. Desde o seu lançamento, em abril de 2020, já impactou mais de 267 mil alunos e cerca de 37,6 mil professores.
Este é um exemplo de como a tecnologia e a atuação com propósito podem auxiliar nossos jovens e crianças no acesso a conteúdos de qualidade para que possam recuperar o déficit de aprendizagem que a pandemia escancarou. A tecnologia, por si só, não vai mudar essa realidade, mas a intencionalidade de promover a mudança com ações afirmativas e de ampla abrangência tem se mostrado um bom caminho para reduzir esse abismo na educação para as gerações futuras.
*Kelly Baptista é especialista em gestão de políticas públicas e coordenadora geral da Fundação 1Bi, apoiada pela Movile, membro da Rede de Líderes Fundação Lemann e Conselheira Fiscal do Instituto Djeanne Firmino