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Direito

Entendendo o conceito de dolo na área de direito penal, por Fábio F. Chaim

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O Direito Penal é conhecido como sendo a ultima ratio dos mecanismos de controle social, sendo aplicado tão somente para a tutela de bens jurídicos considerados essenciais e apenas quando os demais mecanismos de ação coletiva não tenham se mostrado eficazes (princípio da intervenção mínima ou subsidiariedade).

Para exemplificar, temos casos onde a condução de um veículo acima do limite de velocidade é tratado como uma questão exclusivamente de Direito Administrativo. Desta forma, sujeitando o infrator à pena de multa e eventual suspensão da carteira de habilitação.

Porém, caso a condução deste mesmo veículo em alta velocidade seja realizada num contexto do chamado racha, teremos a tutela realizada pelo Direito Penal. Isso ocorre, pois, a sua conduta acaba se agravando, somando a aplicação do disposto no art. 308 do Código de Trânsito Brasileiro.

Então, como o aplicador da norma faria a diferenciação entre um motorista que conduziu seu veículo acima do limite daquele que participou de um racha? Bom, é aqui que entra o chamado dolo. Isto é, a análise da relação subjetiva do agente com a conduta praticada, do seu conhecimento dos elementos objetivos do ato e da sua vontade de praticá-lo.

O tema do dolo tem grande destaque na doutrina do Direito Penal, motivo pelo qual são diversas as teorias para explicar o seu conceito e dinâmica dentro da questão da responsabilidade criminal.

A Teoria da Vontade ou Consentimento consiste no dolo como sendo uma vontade do agente voltada a um resultado. Aqui, o resultado é almejado pelo agente ou ao menos é previsível, neste caso havendo indiferença quanto a sua produção (dolo eventual).
No entanto, vale ressaltar que o conteúdo desta vontade não pode ser confundido com a intenção de violar a norma penal. Isso, pois, ela ocorre como consequência da ação ou omissão, não sendo a expressão da vontade ou objetivo do agente para efeito de tipificação criminal da conduta praticada.

Retomando o exemplo anterior, a pessoa que conduz o veículo em alta velocidade pela via pública, dentro de um contexto de racha, possui a intenção de participar desta competição. Nesse caso, é irrelevante se ela desejava violar a norma penal, causar um acidente ou danificar o patrimônio alheio.

Sendo assim, a violação da norma penal acaba sendo uma consequência da conduta praticada, tornando irrelevante se essa violação fazia parte da intenção ou vontade de seu autor. Por isso, o dolo acaba sendo a intenção de praticar a conduta descrita na norma e não de violar a norma em si, o que seria uma mera consequência da prática deste ato.
Não por menos que o art. 18 do CP trata o dolo como a vontade do agente de produzir o resultado ou assunção do risco de sua produção. Inclusive, não trazendo qualquer consideração a respeito da pessoa ter ou não o interesse de violar a norma em si.
A Teoria do Assentimento, por outro lado, implica que o que passa a ser analisado, para efeito da presença de dolo, é a relação psíquica do agente causador com o resultado de sua conduta. Ou seja, se ao praticar o ato o agente antecipou as consequências de sua ação, demonstrando indiferença para com elas. Trata-se de uma teoria adequada para explicar a segunda parte do artigo 18, inciso I, do Código Penal Brasileira, no que diz respeito ao “assumir o risco” de produção do resultado.
No entanto, é importante destacar que a ideia de indiferença quanto a produção do resultado lesivo deixa de abordar a questão referente à própria vontade, intenção do agente, abordada na teoria anterior. Ou seja, tratando como irrelevante se o agente quis produzir este resultado ou foi apenas indiferente a ele, equiparando ambas as condições.

Retomando o exemplo anterior: O agente que pratica um racha demonstrou indiferença quanto à produção dos diversos resultados previstos na norma (forma simples ou qualificada), sendo irrelevante se há a intenção de produzir estes resultados (colisão, lesão corporal, morte, etc.).

Enquanto isso, a Teoria da Representação exclui também a análise da vontade do agente, porém deixa de analisar a questão da indiferença como aspecto necessário para a presença de dolo na conduta. Portanto, basta que o agente tenha como previsível a produção do resultado lesivo, sendo irrelevante a relação subjetiva dele com esta possibilidade (intenção, indiferença ou buscar evitar).

Atualmente prevalece no direito brasileiro uma concepção intermediária entre as três teorias para a análise do dolo, tratando sua existência como um misto de conhecimento e vontade, dentro da concepção finalista de ação. O primeiro destes elementos é o chamado cognitivo, exigindo para a configuração do dolo que o agente tenha consciência da relação entre a sua conduta e todos os elementos objetivos do tipo penal a ela relacionado.

Retomando o exemplo, para a presença do elemento “consciência” como componente do dolo para o crime do art. 308 do Código de Trânsito Brasileiro, é importante que o agente tenha consciência de que está conduzindo o veículo em via pública, participando de competição não autorizada e que ela produza um perigo de dano para incolumidade pública ou privada.

Para a presença deste elemento é irrelevante se o agente sabe, ou deixa de saber, que a conduta praticada é crime. Não haveria como ser diferente, eis que o desconhecimento da lei é inescusável, conforme redação do artigo 21 do Código Penal Brasileiro.
O segundo elemento na concepção atual de dolo é o chamado “volitivo”. Ou seja, a vontade do agente por meio de sua conduta (ou omissão) de produzir um determinado resultado. No exemplo do “racha”, para que esteja presente o elemento volitivo é necessário compreender se agente que conduz o veículo em via pública, em alta velocidade e em local em que acontecia uma competição automotiva não autorizada, agiu com vontade de participar desta competição.

No caso, o elemento volitivo estaria ausente caso a pessoa que passou pelo local em alta velocidade estivesse conduzindo um amigo ou parente a um hospital, buscando atendimento médico de urgência. Neste contexto, ainda que o agente soubesse que estava em alta velocidade e passando por uma competição automotiva não autorizada, sua vontade estaria voltada a outro resultado, cuja ilicitude estaria ausente visto que praticada em estado de necessidade (art. 23 do Código Penal).

No conceito de dolo direto ou imediato, o agente não apenas antecipa o resultado, mas este é a expressão da finalidade de sua própria conduta. Portanto, o agente antecipa o resultado, o deseja e acaba por anuir com as consequências diretas e indiretas de sua ação. Além disso, o dolo direto pode ser em segundo grau. Isto é, quando o agente antecipa o resultado provável de sua conduta, sendo absolutamente indiferente quanto a sua produção. Neste ponto, trago a seguir o exemplo elaborado por Cezar Roberto Bitencourt:

Ao tratar como dolo direto de segundo grau o ato de um agente que, visando prejudicar um desafeto, acaba colocando uma bomba em um veículo de transporte coletivo, resultando não apenas naquele diretamente pretendido por sua ação, como também vitimando o motorista deste veículo e os demais passageiros.

Se tratando de veículo de transporte coletivo, o agente sabia que haveria outras pessoas no local e que o meio utilizado para a prática de sua conduta (bomba) resultaria em danos para outros indivíduos. Portanto, havia o conhecimento e vontade quanto o meio necessário para a obtenção do resultado final de sua conduta (prejudicar o desafeto).

A segunda forma de dolo é o chamado indireto, dividindo-se em dolo eventual ou alternativo. O dolo eventual encontra-se previsto na segunda parte do artigo 18, inciso I, do Código Penal Brasileiro, na parte referente ao agente assumir o risco quanto à produção do resultado. Nele, o agente conhece os elementos concretos de sua conduta, antecipa o resultado derivado dela, mas não o deseja.

Retornando ao exemplo, aquele que participa de um “racha” certamente não age com a intenção de atropelar outras pessoas ou de causar danos ao patrimônio alheio. Porém, o agente sabe que ao conduzir um veículo em alta velocidade numa via pública, em contexto de competição automotiva não autorizada, acaba por causar um risco quanto à produção do resultado delitivo, assumindo as consequências caso este ocorra.

Por outro lado, o agente que dirige com seu veículo a um autódromo e dentro dele participa de uma competição autorizada, em local isolado, seguro e com a devida estrutura, pratica uma conduta fundamentalmente diferente daquela praticada em via pública.

O dolo alternativo, por sua vez, é a segunda forma do dolo indireto. Ele ocorre quando o conhecimento/vontade do agente se encontra voltado para a produção de mais de um resultado, entre si alternativos, porém derivados de sua conduta.
Como exemplo, considera-se o agente que, na intenção de causar mau a um desafeto, sabota o freio de seu veículo automotor, desconhecendo ou sendo indiferente a respeito se desta sabotagem e posterior acidente haverá uma lesão corporal de natureza leve, grave, gravíssima ou mesmo o óbito deste desafeto. Todos estes resultados foram antecipados como consequentes de sua ação de sabotar o veículo (conhecimento) e são por eles igualmente e alternativamente desejados (vontade).

A terceira dinâmica ocorre entre o chamado dolo de propósito e de ímpeto, dentro do contexto em que a conduta teria sido premeditada, ou não. O dolo de propósito ocorre nos chamados crimes premeditados. Ou seja, quando o conhecimento e vontade de um agente voltada para a produção de um resultado possui uma preparação prévia a indicar uma maior reprovabilidade da conduta em face de outra similar, mas praticada sem preparo prévio (dolo de ímpeto).
Trata-se de algo relevante apenas no que diz respeito à dosimetria da pena a ser aplicada, nos termos do art. 59 do Código Penal, eis que se trata de circunstância do crime.

A premeditação do delito não é relevante para a presença ou ausência do dolo em si, enquanto elemento subjetivo do injusto penal. Visto que, o conhecimento/vontade relevante para este aspecto é aquele presente no momento da prática do delito (dolo direto ou indireto).

No caso do exemplo inicial, há uma diferença na conduta de um agente que, ao passar pelo local de um racha resolve dele participar, empregando seu veículo em sua configuração original de fábrica, daquela de um agente que previamente modifica o seu automóvel no intuito de conferir maior aceleração ou velocidade final visando vantagem na competição ilegal e majorando o risco de um acidente. O propósito de cada agente é diferente e consequentemente a pena a ser aplicada em cada caso.
O dolo genérico, por outro lado, é a forma direta nos termos acima mencionados, ao tempo em que o dolo específico é aquele presente em alguns tipos penais e que se faz necessário para o preenchimento completo do tipo objetivo.

Como exemplo, temos a necessidade de que a coisa alheia móvel, subtraída no contexto de um crime de furto tenha sido realizada “para si ou para outrem” em relação ao agente. No dolo de dano existe a necessidade de que a conduta praticada produza um resultado concreto para que a tipicidade esteja plenamente preenchida, como no caso do delito de lesão corporal em sua forma consumada.

No dolo de perigo, basta que a conduta praticada tenha produzido um perigo, concreto ou abstrato, para que o tipo penal esteja preenchido, independente da produção de um resultado concreto na vida em sociedade.
Trata-se do caso do delito de embriaguez ao volante, atualmente tratado como crime de perigo abstrato. E, em que a conduta do agente é realizada com conhecimento dos elementos objetivos do tipo e a vontade de produzir um perigo ou assunção quanto ao risco de sua produção, presumido do ato de conduzir veículo automotor sob influência de bebida alcoólica.

O dolo bonus e malus guarda relação maior com a dosimetria da pena do que quanto a análise da tipicidade da conduta criminosa. Na análise de ambos é averiguado aspectos particulares do agente ao praticar a conduta.
Como exemplo, observa-se a conduta de uma pessoa que persegue, lesiona e posteriormente ceifa a vida de um criminoso sexual por ato praticado contra a filha do agente. Obviamente neste contexto há que observar que o agente agiu com conhecimento dos elementos objetivos de sua conduta, vontade de praticá-la e desejou produzir o resultado previsto na norma.

Porém, havendo uma motivação particular para a prática do delito que acaba por influenciar a forma como esta acaba sendo sancionada, eis que não se mostra adequado punir de forma igual a de um homicídio qualificado e fora deste contexto.
Aproveitando o exemplo, acaba se trazendo um aspecto de dolo malus no delito de homicídio em que o agente pratica a conduta com particular crueldade, postergando deliberada e desnecessariamente o sofrimento da vítima antes de ceifar a sua vida.
O sétimo aspecto é o chamado dolo presumido. Ou seja, que independe da produção de prova no caso concreto quanto a sua presença. Trata-se de algo não aplicado no direito brasileiro, eis que a análise do dolo é essencial para o preenchimento do tipo subjetivo, componente necessário para a tipificação de um injusto penal.

Por fim, há que se considerar brevemente o conceito de crime preterdoloso. Ocorre que a dinâmica de conhecimento e vontade do agente voltada a determinada conduta pode produzir variações quanto ao resultado produzido ou alterações ao longo da execução da conduta.

Vejamos o exemplo costumeiro no ambiente urbano em que um segurança de determinado estabelecimento comercial imobiliza um suspeito de furto até a chegada da polícia, porém exagera e acaba por sufocar a vítima, ceifando sua vida. O dolo da conduta no caso se limita, no máximo, ao delito de lesão corporal, porém havendo erro em sua execução com resultado letal.
No caso, há um dolo no antecedente e uma culpa no consequente, o chamado preterdolo. Neste cenário, há uma linha muito tênue e altamente subjetiva acerca se o resultado diverso do pretendido foi produzido com culpa ou dolo, este em sua forma eventual, devendo ser analisado o contexto do caso concreto.

Como forma de ilustrar melhor, consideremos o exemplo de uma determinada passeata em ambiente urbano, dispersada pelas forças de segurança com o uso de balas de borracha e que porventura acabam por ferir com gravidade os presentes ao ato.
Comparemos este exemplo com outro ocorrido em similar contexto no qual manifestantes dispararam um rojão contra os policiais envolvidos na dispersão, matando um cinegrafista que acompanhava os fatos. Em cada caso mencionado o que deve ser observado são os elementos concretos e a previsibilidade do resultado diverso produzido como forma de se compreender se este ocorreu com dolo ou culpa.

Os exemplos trazidos com relação aos crimes preterdolosos demonstram o elevado grau de subjetividade na análise da relação entre o dolo eventual e a culpa consciente.
A análise do dolo e da culpa é fundamental ao preenchimento do injusto penal em seu aspecto subjetivo para completar os elementos descritos no tipo objetivo. Trata-se da previsão do art. 18 do Código Penal Brasileiro. Os crimes, consequentemente, se dividem naqueles praticado com dolo (nos termos acima abordados) e com culpa, consistente na prática da conduta com negligência, imprudência ou imperícia.

Existem, porém, categorias intermediárias e com elevado grau de subjetividade na análise dos aspectos do caso concreto.
A primeira delas, já abordada, é o chamado dolo eventual, em que o agente possui conhecimento dos elementos objetivos da conduta praticada, atua com vontade de executá-los, mas não deseja a produção dos resultados esperados para a sua conduta.
Trata-se do exemplo principal deste artigo, em que o agente que participa de “racha” certamente não almeja colidir com outros veículos ou atropelar outras pessoas, ceifando suas vidas. Além disso, este resultado é previsível de sua conduta havendo uma assunção ao risco de produzir este resultado. Não por menos que a conduta acaba sendo enquadrada na forma dolosa prevista no art. 18, inciso I, do Código Penal.

Na culpa consciente o agente pratica a conduta com conhecimento de seus elementos objetivos e vontade, mas não busca produzir o resultado, inclusive tomando atitudes voltadas a evitar a sua produção. Ou seja, diferente do dolo eventual, o agente não demonstra indiferença.
Como exemplo, observamos a conduta de um agente que, ciente que ingeriu bebida alcoólica, opta por conduzir seu veículo até sua residência. Porém, tomando o cuidado de realizar esta condução em velocidade muito abaixo do que normalmente faria, redobrando sua atenção, buscando se alimentar antes do ato e consumindo alimentos ricos em glicose, como forma de reduzir os efeitos do álcool em sua consciência.
A diferença entre ambos os exemplos está na relação do agente com o risco do resultado. No primeiro exemplo este risco é antecipado, mas tratado com indiferença, ao tempo em que no segundo o risco é antecipado e são tomadas medidas para mitigar a possibilidade de sua ocorrência.

Neste caso, não há que se falar em “assumir o risco”, eis que pensamento em contrário resultaria em equiparar condutas claramente diferentes, violando o princípio da proporcionalidade na aplicação de sanções penais.
A análise do dolo é fundamental para se determinar se a conduta praticada é crime ou mero ato ilícito passível de tutela/sanção em outras esferas legais (cível, administrativo, etc), eis que inexiste no direito penal brasileiro a chamada responsabilidade penal objetiva.

Na hipótese de não restar comprovada a presença de dolo na conduta imputada a determinado acusado e ausente previsão legal e/ou elementos concretos de forma culposa, o fato em análise no caso concreto será criminalmente atípico, devendo o acusado ser absolvido na forma do art. 386, inciso III, do CPP.
Estes aspectos devem ser considerados em face da própria questão referente ao papel do direito penal no ordenamento jurídico brasileiro.

Sobre Fábio Chaim
Fábio F. Chaim atua na esfera criminal, representando os interesses de seus clientes, sejam eles investigados, acusados, vítimas, ou terceiros interessados. Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP (2011), é pós-graduado em Direito Penal Econômico – Fundação Getúlio Vargas – FGV (2018) e em Direito Penal Econômico pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. IBCCrim (2016). Possui também mestrado em Direito Penal – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP (2015).

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