Jurista italiano radicado no Brasil, CEO e fundador da Nostrali Cidadania Italiana, enumera incoerências da proposta nova lei orçamentária e afirma que ela é potencialmente inconstitucional.
O governo italiano enviou ao Parlamento a sua proposta de Orçamento para 2025, a ‘Legge di Bilancio’. Uma das medidas mais controversas (no artigo 106), se aprovada, trará consequências a milhares de ítalo descendentes, em especial aqueles que desejam conduzir os seus processos de reconhecimento à dupla cidadania pela via judicial. Atualmente, é cobrada uma taxa aproximada de 545 Euros por processo, o chamado ‘Contributo Unificato’. Cada processo pode incluir inúmeros requerentes, desde que descendam do mesmo antepassado, ou seja, venham da mesma linhagem. Para 2025, o governo italiano quer mudar a forma de cobrança, elevando essa taxa para 600 Euros. Além disso, em vez de cobrar por processo, prevê cobrar a taxa individualmente, de cada um dos requerentes.
“Essa medida é injusta e potencialmente inconstitucional”, alerta o jurista italiano David Manzini. Radicado no Brasil, ele é CEO e fundador da Nostrali Cidadania Italiana, que já contribuiu para a concessão de mais de 15 mil cidadanias a brasileiros. “A nova proposta infringe o princípio de igualdade, limita o acesso à justiça e impõe uma barreira financeira desproporcional, para quem não têm meios econômicos”, ressalta.
Hoje, uma família com 10 membros, descendentes do mesmo antepassado italiano e que esteja buscando o reconhecimento à cidadania num mesmo processo judicial, paga uma taxa unificada de aproximadamente 545 Euros, referente ao processo todo, independente do número de pessoas. Caso a nova lei seja aprovada, essa mesma família passaria a pagar 600 Euros por membro da família. Ou seja, 6.000 Euros, o que equivale a cerca de R$ 36 mil, considerando a cotação de Outubro/2024.
A Câmara dos Deputados e o Senado têm até 31 de Dezembro para votarem o novo Orçamento. Caso o Parlamento não aprove a lei até essa data, o governo pode ter que operar com medidas provisórias, até a aprovação final. Para David Manzini, essa nova forma de cobrança do ‘Contributo Unificato’ gera muitas controvérsias e é questionável do ponto de vista jurídico. A seguir uma análise do jurista:
01. Princípio de Igualdade
O Artigo 3 da Constituição Italiana garante que, todos os cidadãos são iguais perante a lei, sem distinções de condições pessoais e sociais. “Ao introduzir uma taxa tão elevada, o governo está criando uma forma de discriminação indireta, com base em critérios econômicos”, defende Manzini. Essa taxa pode excluir a possibilidade de obter a dupla nacionalidade por parte daqueles que têm direito à cidadania por jus sanguinis, mas não possuem recursos financeiros suficientes para arcar com esses custos.
02. Direito de Acesso à Justiça
Em seu Artigo 24, a Constituição Italiana assegura a todos o direito de acesso à justiça para a tutela de seus direitos e interesses. Dessa forma, Manzini ressalta que a imposição de uma taxa de 600 euros pode representar uma barreira financeira desproporcional. “Isso vai dificultar ou até mesmo impossibilitar que muitas pessoas exerçam seu direito de requerer a cidadania italiana”, comenta o CEO da Nostrali.
03. Princípio de Proporcionalidade
Conforme a lei italiana, a introdução de taxas deve ser justificada e proporcional aos custos administrativos que o Estado incorre para processar pedidos judiciais. “Não há uma explicação clara de que a taxa de 600 euros seja proporcional aos custos reais do processo. O valor parece excessivo e pode ser visto como uma forma de limitar o número de requerentes, o que é inaceitável do ponto de vista jurídico”, salienta o jurista.
04. Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH)
A Itália é signatária da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, que protege o direito de acesso à justiça e proíbe discriminações baseadas na condição financeira. Conforme Manzini, a imposição dessa nova taxa pode ser vista como uma violação do direito de acesso equitativo à justiça. “Essa nova taxa impõe uma barreira financeira que discrimina os requerentes com menos recursos”, destaca.
05. Diritto alla Cittadinanza come Diritto Fondamentale
Embora o direito à cidadania não esteja explicitamente mencionado na Constituição Italiana, ele é implicitamente protegido como um direito fundamental, ligado à participação plena na vida cívica e política do Estado. Manzini explica que, “condicionar o exercício de um direito de cidadania a uma taxa elevada, sem justificação adequada, compromete a essência do direito à cidadania. Assim, essa medida pode ser vista como uma violação dos princípios democráticos da Itália”.
06.Justiça gratuita
A lei italiana assegura que pessoas sem recursos financeiros, incluindo estrangeiros, tenham acesso à justiça sem custos excessivos. Quem não pode arcar com as despesas de um processo judicial pode solicitar o patrocínio gratuito, desde que prove que sua renda anual não ultrapassa 11.746,68 Euros. Para estrangeiros, incluindo não residentes, a lei também prevê que os rendimentos sejam comprovados com base em certificados consulares, garantindo assim que todos, independentemente de sua situação econômica ou localização geográfica, possam acessar a justiça de forma equitativa.
David Manzini acredita que o bom senso deve prevalecer. “Com base nisso tudo, podemos chegar à conclusão de que essa taxa deve ser reconsiderada, para garantir, assim, que todos os descendentes de italianos tenham acesso justo e equitativo ao reconhecimento de sua cidadania”, conclui.
Serviço: FONTE: Nostrali Cidadania Italiana (54) 3533–4740 @nostralicidadaniaitaliana |