
Por Francisco Pereira, CEO da Trademaster*
Nos últimos anos, o mercado financeiro brasileiro passou por uma transformação acelerada, impulsionada pelo surgimento e crescimento das fintechs. O Brasil, hoje, é reconhecido como um dos principais polos globais desse tipo de inovação. Em julho de 2024, de acordo com um relatório do Distrito, o Brasil somava a incrível marca de 1.592 fintechs ativas, o que corresponde a 58,7% do total de fintechs da América Latina. Este cenário coloca uma questão importante: bancos e fintechs estão em competição direta ou há espaço para cooperação?
Como executivo da Trademaster, uma empresa que busca conectar o mercado financeiro com novas soluções tecnológicas, observo de perto o impacto dessa dualidade. É natural pensar que bancos tradicionais e fintechs sejam rivais, especialmente quando analisamos o aumento da participação dessas startups no mercado de crédito, pagamentos e investimentos, áreas historicamente dominadas pelos grandes bancos. No entanto, a verdade é mais complexa.
O que leva à competição
Os bancos brasileiros sempre tiveram uma posição sólida no mercado. Instituições como Itaú Unibanco, Bradesco, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal somam uma parcela significativa dos ativos bancários do país. Essa concentração de mercado, junto a regulamentações rígidas e altas barreiras de entrada, fez com que os bancos tradicionais dominassem o setor por décadas.
Com a chegada das fintechs, essa hegemonia começou a ser desafiada. Um dos maiores exemplos é o Nubank, fundado em 2013, que rapidamente se tornou uma das maiores fintechs do mundo, atingindo mais de 100 milhões de clientes em 2024. O que permite esse crescimento acelerado é o uso intensivo de tecnologia para criar produtos mais acessíveis e com menos burocracia, algo que os grandes bancos, até pouco tempo atrás, não conseguiam oferecer.
Além disso, as fintechs costumam ter uma estrutura mais enxuta e ágil, o que lhes permite lançar produtos e serviços rapidamente, ajustando-se melhor às necessidades dos consumidores modernos. Bancos tradicionais, por outro lado, precisam lidar com uma estrutura complexa e pesada, dificultando a inovação no mesmo ritmo das fintechs. Essa diferença pode criar a percepção de que estamos diante de uma competição direta e, de fato, em algumas áreas, essa rivalidade é evidente, como no crédito pessoal e nos meios de pagamento.
Onde há espaço para cooperar
Apesar dessa tensão competitiva, as fintechs não vieram para substituir os bancos, mas para preencher lacunas que as grandes instituições financeiras deixaram ao longo dos anos. Muitos bancos, inclusive, têm visto as fintechs como parceiras estratégicas em vez de competidoras. Isso é evidenciado pelo número crescente de colaborações, aquisições e parcerias entre os dois lados.
Hoje, grande parte dos bancos tradicionais no Brasil já estão envolvidos em algum tipo de cooperação com fintechs. Há exemplos clássicos que são grandes cases de sucesso no Brasil, como o Cubo, hub de inovação do Itaú, e o Inovabra, do Bradesco Estes espaços buscam conectar a estrutura dos grandes bancos com o ecossistema latente das startups. A explicação é simples: as fintechs são especialistas em inovação e agilidade, enquanto os bancos tradicionais trazem escala, experiência regulatória e uma vasta base de clientes. Um bom exemplo de colaboração bem sucedida é a da própria Trademaster, fintech que fundei, que conta com a Sofisa e o banco BV como investidores sócio-proprietários.
Também é destaque nesta relação, a cooperação na implementação do Open Banking, que foi oficialmente lançado no Brasil em 2021. Esse sistema, que permite o compartilhamento de dados bancários entre diferentes instituições financeiras com o consentimento do cliente, é uma oportunidade clara para bancos e fintechs trabalharem juntos. Enquanto as fintechs podem desenvolver soluções customizadas para os clientes, os bancos podem usar sua infraestrutura para garantir a segurança e a conformidade regulatória.
No entanto, a cooperação entre bancos e fintechs não é isenta de desafios. A diferença cultural entre as duas partes pode ser um obstáculo. Bancos tradicionais são, por natureza, mais conservadores e regulados, enquanto as fintechs tendem a valorizar a inovação rápida e uma abordagem mais flexível. Equilibrar essas duas abordagens é fundamental para o sucesso de parcerias.
Além disso, questões relacionadas à regulação e segurança de dados permanecem no centro do debate. Embora o Banco Central tenha avançado com regulamentações como o Open Banking e o PIX, ainda há dúvidas sobre como garantir que essas novas soluções sejam seguras e acessíveis a todos os brasileiros. As fintechs têm uma abordagem mais dinâmica, o que as torna mais propensas a experimentar novas tecnologias e modelos de negócio. Já os bancos precisam seguir protocolos de segurança muito rígidos, o que pode desacelerar o processo de integração de inovações.
Diante desse cenário, acredito que a cooperação entre bancos e fintechs será cada vez mais a norma no Brasil. As fintechs são importantes catalisadoras de inovação, mas os bancos continuam a ter um papel fundamental na estabilidade e segurança do sistema financeiro. Ao combinar as forças de ambos os lados, é possível criar um ecossistema financeiro mais inclusivo, eficiente e dinâmico. Ao invés de rivais, bancos e fintechs podem, e devem, ser parceiros na criação de um novo futuro financeiro para o Brasil.
*Formado em Administração pela FGV (Fundação Getúlio Vargas) e especialista em soluções de crédito para as pequenas e médias empresas, Francisco Pereira é fundador e CEO da Trademaster, fintech que potencializa as vendas de grandes indústrias e distribuidores ao varejo.